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segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

A pureza da "Santa" Maria Adelaide (Arcozelo)

Há vidas que vêm a este mundo que se equiparam a astros fugazes, repletos de luminosidade, que semeiam um impacto bastante produtivo nos povos. A vida de D. Maria Adelaide de São José e Sousa Gama foi um desses exemplos excepcionais, privilegiando minuciosamente a atenção dos mais carenciados.
Maria Adelaide nasceu em 1835 no Norte de Portugal. Alguns autores situam o seu nascimento no Porto, outros em Lamego. Desconhecem-se os nomes dos seus pais. Sabe-se que na sua juventude frequentou um colégio portuense onde iniciaria a aprendizagem básica.
Depois desta etapa inicial (difícil de detalhar devido aos parcos elementos biográficos conhecidos), veremos D. Maria Adelaide a professar no Convento Corpus Christi de Vila Nova de Gaia, sendo que a sua entrada se terá devido aos conhecimentos que havia adquirido na vertente musical, pois iria substituir a recém-falecida organista conventual. Todavia, foi precisamente nessa fase da sua vida que a saúde lhe começou a pregar as primeiras partidas, causando-lhe sérios dissabores. Maria Adelaide possuía um estado físico frágil ou vulnerável, e julga-se que terá então contraído tuberculose, motivada talvez pela humidade das instalações (o convento ficava à beira-rio) e pela rígida austeridade e confinamento monásticos. A situação deve ter sido grave ao ponto de Maria Adelaide acabar forçosamente por se retirar daquele lugar.
Retornou pois ao Porto, onde viveria no largo do Moinho de Vento, mas o seu estado permanecia crítico e inalterável, pelo que os médicos aconselharam-na a procurar uma zona marítima mais calma, onde fossem abundantes pinheiros e eucaliptos.
Em Maio de 1876, chegará então a Arcozelo, a sua última morada. O seu estado de saúde apresentou entretanto algumas melhorias, embora não decisivas ao ponto de se curar ou refortalecer na totalidade. Efectivamente, o clima daquela terra era agradável, e desde logo, conseguiu ainda alcançar o necessário entrosamento com as gentes que ali viviam.
Naquela povoação rural, Maria Adelaide dedicava-se a fazer rendas e a confeccionar pastéis, e com as receitas das vendas, pagava as suas despesas de vida, e em simultâneo, ajudava muitas pessoas carenciadas. A tradição ressalva que Adelaide nutriria igualmente uma enorme carinho pelas crianças, oferecendo-lhes diariamente pães, doces, roupas, além de as catequizar nos caminhos da fé cristã. Reconciliou casais desavindos que se deixavam enredar pelas exasperantes discussões. O seu altruísmo e voluntariado gratuitos eram uma realidade - quando alguém solicitava urgentemente o seu auxílio, ela nunca se recusava em ir ao encontro dos mais necessitados ou desesperados. Foi uma questão de muito pouco tempo até ser adorada pelo povo de Arcozelo que ficaria rendido à sua infindável bondade. Todavia, quer-nos parecer que, embora os seus feitos fossem evidentemente louváveis e lhe tivessem granjeado imediatamente popularidade, Maria Adelaide não lograva ainda nestes anos finais de vida do pedestal de santidade (atribuído pela comunidade), porque ainda lhe faltava a tal condição alegadamente milagrosa que pudesse atestar definitivamente a sua pureza ímpar. Como veremos, a sua fama popular de santidade só viria a acontecer algumas décadas depois da sua partida deste mundo.
Maria Adelaide faleceria a 4 de Setembro de 1885, com apenas 50 anos - embora estes repletos dum amor incondicional pela vida humana. Julga-se que terá sido vítima de tísica, situação agravada por uma forte constipação. Dentro deste contexto, foi sepultada no cemitério de Arcozelo, e o seu rosto inalterável bem como o seu inseparável segredo de preservação carnal certamente se teriam eclipsado, de forma discreta, na escuridão eterna propiciada pelas paredes do túmulo que a cobriam, não tivesse sido o caixão forçosamente retirado por causa duma venda posterior da campa onde repousava o seu cadáver. Ao que parece o jazigo tinha caído nas mãos da Junta de Freguesia de Arcozelo que o vendera a um casal que residiria no lugar de Vila Chã, o qual estaria interessado em fazer uso familiar do mesmo. Esta acção é talvez compreensível se tivermos em conta que Maria Adelaide, apesar da boa imagem deixada, começara gradualmente a cair no esquecimento desde o seu falecimento em 1885, e é evidente que o seu estatuto popular só se afirmará com tremendo ímpeto a partir das incidências posteriores que narraremos já de seguida.
No âmbito da trasladação, o seu caixão foi aberto em 23 de Fevereiro de 1916, e para o espanto daqueles que estavam encarregues de tal ofício, o seu corpo encontrava-se incorrupto, tendo já passado mais de 30 anos do seu falecimento. As roupas estavam ainda minimamente intactas e emanavam, segundo a tradição, um acentuado aroma a rosas. Todavia, talvez ainda neste preciso momento, os responsáveis pelas acções de trasladação não saberiam exactamente quem seria aquela senhora (que cairia, desde 1885, numa espécie de semi-esquecimento por parte da geração seguinte), cuja carne aparentava estar viva, ironizando a morte e desafiando os dogmas da ciência.
Ao terem conhecimento do sucedido, os membros da Junta de Freguesia determinam ordens para que o corpo seja coberto com carboneto em pedra, além de ser regado com ácido nítrico, para que os restos mortais fossem depois depositados numa vala comum, sem que ninguém soubesse deste singular acontecimento. Coincidência ou não, esta história acontece nos tempos da Primeira República (1910-1926), regime imbuído duma filosofia anti-clericalista.
A história teria sido seguramente abafada, não fosse o dever de sigilo ignorado pelos trabalhadores que, surpreendidos pelo facto, começaram a fazer comentários que rapidamente se espalharam pelas comunidades de Arcozelo e das localidades vizinhas.
Milagre, clamaram os aldeãos! No dia 27 de Fevereiro de 1916, o povo uniu-se para desenterrar definitivamente aquela senhora agora revestida de santidade - Maria Adelaide, o seu intacto corpo foi lavado e, dentro de uma capela, vestiram-lhe novas roupas e colocaram-na numa urna, estando exposta a todos que a partir de então procurassem a sua intercessão para as suas necessidades espirituais. A 17 de Maio de 1924, a Santa foi trasladada para a actual capela, continuando a ser adorada pelos crentes.
Mesmo assim, a sua urna não deixou de ser alvo de atentados e roubos ao longo dos anos. O caso mais grave registou-se em 25 de Maio de 1983, quando um homem entrou na capela e recorreu a uma marreta para desfazer o lugar de repouso da "santa", tendo esta ficado com um aspecto facial disforme. Antes, em 4 de Novembro de 1924, uma explosão (cuja autoria nunca foi apurada) na capela causou sérios estragos, embora a urna tivesse ficado intacta.
Actualmente, o seu repouso é visitado anualmente por milhares de crentes (portugueses de diversas regiões e até estrangeiros) que a veneram incondicionalmente, que lhe fazem e cumprem promessas e que aguardam, com esperança, que Maria Adelaide concretize os milagres e curas solicitados por um povo que se deixou enraizar pelos ensinamentos de amor de Jesus Cristo.
Talvez, de modo surpreendente, a Igreja Católica não a reconhece oficialmente nem como beata ou santa, apesar da sua vida de simplicidade e compaixão pelos outros, isto além, de lhe serem atribuídos vários milagres no post-mortem (por exemplo: há relatos de curas formidáveis de quem procurou a sua intercessão junto ao seu corpo incorrupto). A sua urna, centrada numa ornamentada capela que herdou o seu nome, constitui uma fonte de esperança para os crentes cristãos que a visitam, procurando inspirar-se no seu modelo de vida.




Imagem nº 1 - A Capela de Santa Maria Adelaide, onde repousa a Santinha de Arcozelo. Ao seu lado, existe um museu dedicado a Maria Adelaide.
Foto da autoria de Carlos Luís Cruz in Wikipedia
( http://pt.wikipedia.org/wiki/Santa_Maria_Adelaide)





Imagem nº 2 - O vulto de Santa Maria Adelaide algo desfigurado após ter sido alvo da fúria dum visitante indesejado que, com um martelo, violou o seu descanso em 1983.





Imagem nº 3 - A devoção é enorme em torno da sua urna. A santa em carne encontra-se exposta numa urna com tampa de vidro, exibida sobre um pedestal de mármore.
Foto de Lisa Soares (Global Imagens) in Jornal de Notícias




Imagem nº 4 - Estátua de Santa Maria Adelaide na freguesia de São Miguel de Arcozelo.




Referências Consultadas:


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